José Antonio Lima
LONGE DA POLÍTICA
Chico Amaral em sua casa, em Campinas
O ex-prefeito de Campinas (SP) Francisco Amaral, hoje com 86 anos e aposentado da política, voltará à vida pública nesta terça-feira (4). Advogado, ele vai pessoalmente a Brasília sustentar sua causa no Supremo Tribunal de Justiça (STJ) contra ninguém menos que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Chico, como gosta de ser chamado, move um processo por danos morais contra Lula desde 2001, quando o petista acusou os ex-prefeitos de Campinas de “assaltar” os cofres da cidade.
Lula foi condenado por injúria em 2002, na 7ª Vara Cível de Campinas. A decisão foi mantida pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP), em 2006, e pelo próprio STJ, em 2007, onde o caso foi julgado por Carlos Alberto Menezes Direito – indicado por Lula para o Supremo Tribunal Federal (STF) naquele mesmo ano. Inicialmente, a condenação previa o pagamento de R$ 40 mil, mas após os inúmeros recursos elaborados pela defesa de Lula – que chegou a ser classificada pelo desembargador Silvio Marques Neto (TJ-SP) de "caso revelador da péssima cultura brasileira de recorrer a qualquer preço", a indenização pode chegar a R$ 150 mil. O valor representa cerca de 18% do patrimônio declarado por Lula à Justiça Eleitoral em 2006. Se somado apenas o dinheiro que Lula tem em bancos, o rombo nas contas do presidente será ainda maior – 31% dos R$ 474 mil.
Na época da crítica feita no TJ, em 2007, os advogados de Lula – Leonardo Guerzoni Furtado de Oliveira e José Diogo Bastos Neto, este sobrinho do ex-ministro da Justiça de Lula Márcio Thomaz Bastos – invocaram o "amplo direito de defesa" para justificar os recursos. Lula e Chico se encontraram pessoalmente algumas vezes após o comentário de Lula, publicado pelo jornal campineiro Correio Popular, mas nunca houve uma tentativa de acordo, nem mesmo na Justiça. É provável que Lula tivesse tido sucesso com uma aproximação. "Eu me considero amigo dele", disse Chico Amaral a ÉPOCA. "Mas o problema é que ele me chamou de ladrão".
Segundo o ex-prefeito de Campinas, a amizade com Lula vem do movimento sindical dos anos 1970. Na década anterior, Chico fez carreira como advogado de diversos sindicatos e, depois, entrou na política, tornando-se deputado federal pela primeira vez em 1967. Quando conheceu Lula, Chico Amaral recebeu até um convite para entrar no PT. “Mas mesmo já sendo deputado eu teria que me submeter a uma avaliação de um colegiado local do partido. Achei isso uma diminuição da minha posição”, diz.
A história política de Chico Amaral se confunde em alguns aspectos com a do PMDB – ou MDB, como ele prefere chamar o partido. Como o PMDB, Chico é muito respeitado por sua participação na luta contra a ditadura militar e pela democratização. Após três mandatos como deputado federal, foi eleito prefeito de Campinas pela primeira vez em 1976, tendo governado a cidade entre 1977 e 1982. Depois, voltou ao Congresso e fez parte da Assembleia Constituinte, sendo um dos deputados mais bem avaliados durante a elaboração da Constituição. Na era democrática, no entanto, Chico, como o PMDB, viu sua biografia manchada por denúncias de irregularidades. Várias delas.
Em 1996, Chico queria ser candidato a prefeito novamente. Sem a bênção de Orestes Quércia, que não acreditava em sua vitória, deixou o PMDB rumo ao PPB de Paulo Maluf. Eleito, teve uma gestão polêmica. Até hoje, o período é lembrado pelas frequentes greves de funcionários públicos – que por diversas vezes ficaram com salários atrasados – e por conta da ocupação irregular dos bairros Parque Oziel, Jardim Monte Cristo e Gleba B. No começo, eram algumas centenas de famílias, mas hoje são 30 mil (agora com posse provisória dos terrenos). Para eles, Chico é herói, mas quem viu suas propriedades serem desvalorizadas, pensa bem diferente. Chico também foi acusado de uso irregular do dinheiro repassado pelo governo federal à merenda escolar, de irregularidades em contratos de limpeza pública e de favorecer determinadas empresas na concessão para a exploração da rodoviária de Campinas. Ele rebate todas as denúncias, mas as acusações levaram a um pedido de impeachment contra ele, que resistiu no cargo. Com uma enorme taxa de rejeição, (em maio de 2000, 76% da população avaliavam seu governo como ruim, segundo pesquisa Datafolha), ele não disputou a eleição seguinte, vencida por Antônio da Costa Santos, o Toninho do PT (que foi assassinado em 2001).
Quando Toninho assumiu a prefeitura, Campinas devia R$ 1,3 bilhão, o dobro do orçamento da cidade na época. Chico admitiu o aumento da dívida, mas para R$ 922 milhões. Na época, disse que herdou um déficit mensal de R$ 12 milhões do antecessor José Roberto Magalhães Teixeira (PSDB) e de seu vice, Edivaldo Orsi (PSDB), que completou o mandato após a morte de Teixeira. Foi neste contexto que o presidente Lula, fazendo campanha no interior de São Paulo em janeiro de 2001, concedeu a polêmica entrevista. "Campinas é uma cidade que nos últimos oito anos se viu assaltada pelas pessoas que a governavam", disse Lula. "Por culpa deles, o município deve mais do que arrecada", afirmou.
Chico diz que não quer a vitória final na Justiça por conta do dinheiro, mas sim para ter, finalmente, uma retratação. Ele diz que construiu seu patrimônio como advogado, mas que perdeu muito na política. "Hoje só tenho o meu apartamento em Campinas e mais dois pedaços de terra em Amparo [cidade a 59 km de Campinas]", diz. Nesta terça-feira (4), no STJ, Chico fará uma sustentação oral de seu caso para evitar que a defesa de Lula consiga reduzir o valor da indenização. “No processo não consta nada sobre minha biografia", diz. "Quero mostrar que fui deputado estadual, prefeito de Campinas duas vezes, e deputado federal seis vezes. E aí eles decidirão quanto o Chico vale", diz.
É provável que a defesa no STJ encerre a carreira de Chico sob os holofotes da mídia. Voltar para a política? Isso não faz parte de seus planos. “Essa impureza na política já existe desde 1963. Eu não sou freira ou frade, mas Deus me livre o que acontece hoje. É um troço horrível”.
"A pessoa que não lê, mal fala, mal ouve, mal vê". (Malba Tahan)
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