Flávio Gikovate é psiquiatra há mais de 40 anos. Acompanhou nesse período a consolidação do consumo das pílulas anticoncepcionais e os movimentos em torno da emancipação sexual. Mas não é um entusiasta. Para ele, o movimento de libertação não tornou as pessoas necessariamente mais felizes e competentes para amar: mulheres e homens ainda escolhem mal os parceiros e não separam bem o amor do sexo.
No papel do psicoterapeuta de Gerson Gouveia (Marcello Anthony) na novela Passione, trama veiculada no horário nobre pela Rede Globo, Gikovate trata de sexo analisando as fantasias sexuais do personagem e as marcas de um abuso sofrido na infância. Fora das telas, o psiquiatra lança seu trigésimo livro, “Sexo” (MG Editores), no qual reflete a respeito da sexualidade humana e a satisfação (ou não) nos relacionamentos amorosos.
Em entrevista exclusiva ao iG, Flávio Gikovate fala sobre a tendência que temos em escolher parceiros errados – com potencial erótico alto e afinidades emocionais mínimas –, e avisa: “Chega de namorar ou casar com inimigo!”
iG: No livro você fala sobre a inversão de valores na hora de procurar um parceiro. No caso das mulheres, a escolha é geralmente feita pelo aspecto erótico ou sentimental?
Flávio Gikovate: Temos evoluído pouco no aspecto sentimental. As pessoas continuam buscando parceiros com os quais não têm afinidades intelectuais, de caráter, projetos e estilo de vida. E escolher um parceiro tomando por base o encantamento erótico inicial é perigoso porque quase sempre o fascínio erótico te direciona para cafajestes.
As mulheres são confusas a respeito do homem ideal para elas. Até poucas décadas atrás, ele deveria ser o protetor e o provedor. Hoje deve ser companheiro, participar das atividades familiares, ser mais carinhoso e moralmente confiável.
iG: Você reforça a importância da escolha de parceiros por afinidade. Mas ao mesmo tempo pessoas são menos atraídas sexualmente por esse tipo de parceiro mais amigo. Isso leva a relacionamentos frustrados?
Flávio Gikovate: O erotismo costuma direcionar para a busca de parceiros mais egoístas, pouco confiáveis e difíceis de provocar envolvimentos de qualidade. Assim, a maioria dos casais ainda é formado por uma criatura mais generosa e outra mais egoísta. Isso resulta em uma relação incompleta que, com os anos, acaba levando à separação. Os casais se separam pela mesma razão que se casam: as diferenças de temperamento e de caráter. O que funciona bem é o encontro de criaturas afins.
iG: E o que faz uma união estável e feliz?
Flávio Gikovate: Defendo que a união tem de acontecer entre pessoas semelhantes, com os mesmos planos e projetos, e não entre opostos. É o que eu chamo de “+amor”. É uma relação mais parecida com a amizade, a aproximação de duas pessoas inteiras e não de duas metades. Para isso é preciso poder ficar bem sozinho e superar extremos de egoísmo e a generosidade. O relacionamento é baseado em respeito mútuo e confiança recíproca. Chega de namorar ou casar com inimigo!
iG: Talvez parte das insatisfações são por conta da idealização da vida sexual? Ficamos frustrados com a vida comum, sem desempenhos incríveis?
Flávio Gikovate: Homens e mulheres têm sido muito exigentes em todos os setores da vida e com o sexo não é diferente. O sexo se abastece mais facilmente do jogo de sedução e conquista, e acaba sendo mais difícil desejar alguém em quem confiamos e que é leal – mas não é impossível, contudo os casais que atestam isso são minoria.
É preciso entender que o sexo e o amor não fazem parte do mesmo instinto. O sexo compete com a ternura e tem que ser tratado como um instinto mais vulgar e grosseiro. Assim, na hora do sexo é importante abandonar o contexto mais sentimental e buscar outro clima, mais voltado para a baixaria.
iG: Amor é amor e sexo é sexo. Mas será que as mulheres já conseguem expor e assumir isso claramente nas suas relações?
Flávio Gikovate: As mulheres têm uma fisiologia sexual diferente da masculina. Após o orgasmo, a regra é que sobre uma excitação. Isso faz com que o sexo casual não pareça tão interessante para elas, assim como a masturbação. Aliás, cerca de 50% das mulheres não se interessam pela masturbação porque podem terminar a prática mais excitadas. Elas preferem o sexo com um parceiro fixo e conhecido, com quem possam negociar aquilo que mais gostam.
iG: E o que as mulheres mais gostam na cama?
Flávio Gikovate: Em geral, preferem a estimulação do clitóris com o objetivo orgástico. A penetração tem mais significado simbólico, relacionado com se sentir possuída.
Em síntese, a maior parte das mulheres aproveita plenamente o sexo quando conhece o próprio corpo e tem um parceiro estável, que não precisa ser objeto de grande envolvimento emocional, mas alguém conhecido e com quem ela goste de estar também fora da situação erótica. Procuram um homem que saiba como agradá-la, e que seja uma pessoa que não use o sexo apenas como instrumento de sedução e poder, mas também como fonte de curtição e prazer.
iG: O seu papel de psiquiatra na televisão faz algumas discussões ganharem notoriedade. A exemplo da abordagem do “problema” do Gerson na novela, como essa sessão "pública" de terapia pode deixar as pessoas mais seguras ou à vontade com sua sexualidade e fantasias?
Flávio Gikovate: É um dever compartilhar o conhecimento, sempre me insurgi contra qualquer modelo de elitismo intelectual. Tudo o que faço no rádio, em livros e na TV pode ajudar as pessoas a pensar um pouco mais nelas mesmas e fazerem uma autocrítica, que pode ser criativa e útil.
Não é obrigatório que se pense em termos de doença e de cura. O mais importante é poder ajudar a pessoa a avançar emocionalmente e, se possível, superar suas dificuldades.
iG: Como o sexo pelo computador afeta as relações entre pessoas e o comportamento sexual delas?
Flávio Gikovate: Cresce o número de pessoas enjoadas com o sexo casual e ao mesmo tempo é grande o número de pessoas que não estão vivenciando relacionamentos afetivos interessantes. E o sexo virtual é uma atividade em expansão e que apresenta vantagens: não se dá entre pessoas que beberam demais, no fim das madrugadas, depois de gastos significativos e com risco de doenças ou gestações.
Ou seja, o sexo virtual é um intermediário entre a masturbação e o sexo casual, que ocupará o espaço do sexo como fenômeno essencialmente pessoal, individual.
fonte http://www.oriobranco.net/
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