Ser goiano

Ser goiano é carregar uma tristeza telúrica num coração aberto de sorrisos. É ser dócil e falante, impetuoso e tímido. É dar uma galinha para não entrar na briga e um nelore para sair dela. É amar o passado, a história, as tradições, sem desprezar o moderno. É ter latifúndio e viver simplório, comer pequi, guariroba, galinhada e feijoada, e não estar nem aí para os pratos de fora.

Ser goiano é saber perder um pedaço de terras para Minas, mas não perder o direito de dizer também uai, este negócio, este trem, quando as palavras se atropelam no caminho da imaginação.

O goiano da gema vive na cidade com um carro-de-boi cantando na memória. Acredita na panela cheia, mesmo quando a refeição se resume em abobrinha e quiabo. Lê poemas de Cora Coralina e sente-se na eterna juventude.

Ser goiano é saber cantar música caipira e conversar com Beethoven, Chopin, Tchaikovsky e Carlos Gomes. É acreditar no sertão como um ser tão próximo, tão dentro da alma. É carregar um eterno monjolo no coração e ouvir um berrante tocando longe, bem perto do sentimento.

Ser goiano é possuir um roçado e sentir-se um plantador de soja, tal o amor à terra que lhe acaricia os pés. É dar tapinha nas costas do amigo, mesmo quando esse amigo já lhe passou uma rasteira.

O goiano de pé-rachado não despreza uma pamonhada e teima em dizer ei, trem bão, ao ver a felicidade passar na janela, e exclama viche, quando se assusta com a presença dela.

Ser goiano é botar os pés uma botina ringideira e dirigir tratores pelas ruas da cidade. É beber caipirinha no tira-gosto da tarde, com a cerveja na eterna saideira. É fabricar rapadura, Ter um passopreto nos olhos e um santo por devoção.

O goiano histórico sabe que o Araguaia não passa de um "corgo", tal a familiaridade com os rios. Vive em palacetes e se exila nos botecos da esquina. Chupa jabuticaba, come bolo de arroz e toma licor de jenipapo. É machista, mas deixa que a mulher tome conta da casa.

O bom goiano aceita a divisão do Estado, por entender que a alma goiana permanece eterna na saga do Tocantins.

Ser goiano é saber fundar cidades. É pisar no Universo sem tirar os pés deste chão parado. É cultivar a goianidade como herança maior. É ser justo, honesto, religioso e amante da liberdade.

Brasilia em terras goianas é gesto de doação, é patriotismo. Simboliza poder. Mas o goiano não sai por aí contando vantagem.

Ser goiano é olhar para a lua e sonhar, pensar que é queijo e continuar sonhando, pois entre o queijo e o beijo, a solução goiana é uma rima.

(José Mendonça Teles. Crônicas de Goiânia. Goiânia: Kelps, 1998)


sábado, 4 de setembro de 2010

Por que pessoas velhas repetem as mesmas histórias?



Se você tem a felicidade de contar com seus avós ainda vivos, deve se lembrar de pelo menos uma história que, em almoços de família, festas de final de ano ou reuniões sociais, os velhos não se cansam de repetir. Afinal, porque pessoas idosas tendem a contar várias vezes um mesmo caso de suas vidas?

De acordo com um instituto de pesquisas em Toronto (Canadá), a razão é a seguinte: com a idade, nosso cérebro perde paulatinamente a habilidade de lembrar com quem compartilhamos determinada informação.

Os estudiosos analisaram dois tipos de memória. Basicamente, são a memória “de entrada” (lembrar de quem lhe contou algo) e a “de saída” (distinguir aquele para quem contamos algo).

Os pesquisadores descobriram algo inusitado. Não apenas os idosos têm memória ruim para estas distinções, como carregam um “toque de teimosia”: são muito confiantes em suas memórias e não admitem que se esquecem das coisas.

Para descobrir mais sobre os efeitos do envelhecimento nas memórias de entrada e saída, os investigadores chamaram 40 estudantes universitários com idades entre 18 e 30 anos, e 40 idosos entre 60 e 83 anos.

No primeiro experimento, os participantes precisaram ler, em voz alta, 50 sentenças para as imagens de 50 celebridades diferentes em uma tela de computador.

Em seguida, eles foram instruídos a tentar se lembrar qual sentença foi dita para cada celebridade. Por exemplo, eles poderiam ter dito a uma foto de Oprah Winfrey, como se estivessem contando a informação a ela, que “uma moeda tem 118 sulcos ao redor”. Isso era um treino para a memória de saída: lembrar qual pessoa recebeu determinada informação que você passou.

No segundo estudo, o contrário. Cada foto de celebridade era associada a uma informação (como se a pessoa em questão estivesse contando ao participante da pesquisa), e o voluntário do experimento deveria se lembrar quem lhe disse o quê.

Os resultados sugerem que o envelhecimento tem pouco efeito sobre a memória de entrada. Os jovens tiveram cerca de 60% de acerto, a respeito de lembrar quem lhes disse cada coisa, enquanto nas pessoas de idade esse índice foi de 50%. Quanto à memória de saída, no entanto, os jovens mantiveram o percentual, enquanto os idosos tiveram resultado 21% inferior. Em suma: ao envelhecer, não perdemos a capacidade de lembrar quem nos disse algo, mas sim de recordar a quem dissemos algo.

Assim, você já pode ter ouvido mais de dez vezes o seu avô lhe contar como sua mãe nasceu, como ele se alistou no exército ou como era a fazenda em que ele morava quando era pequeno. Assim que vocês se virarem, ele não vai lembrar que já lhe contou essas histórias, e você será forçado a ouvir novamente.

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